Em
livro, o doutor Renato Buzzonetti narra as últimas horas de vida do pontífice
que faleceu há exatos 9 anos, em 2 de abril de 2005.
Desde que apareceu na janela da Praça de São Pedro
com seu sorridente rosto redondo, cheio de energia, o papa que caminhava com
passo dinâmico pelas longas escadarias da praça foi chamado de "atleta de
Deus". Parecia que aquele homem poderoso e incansável não iria nunca
precisar dos médicos, mas tudo mudou num belo dia de primavera de 1981: as
balas disparadas pela mão assassina não o mataram, mas minaram seriamente a sua
saúde de ferro. Desde então, João Paulo II se tornou também um homem do
sofrimento: a doença e a dor se tornaram parte da sua vida e fizeram da
Policlínica Gemelli um lugar muito familiar (o papa, aliás, a chamava de
"Vaticano III"). Dessa experiência nasceu a carta apostólica
"Salvifici doloris", sobre o sentido cristão do sofrimento, além do
desejo de ter na cúria um dicastério voltado aos doentes e aos profissionais da
saúde: com o motu próprio "Dolentium hominum", João Paulo II
estabeleceu o Conselho da Pastoral dos Agentes de Saúde. E foi ele, ainda, que
criou a Jornada Mundial dos Enfermos, no dia 11 de fevereiro, festa de Nossa
Senhora de Lourdes.
Pouco a pouco, o Parkinson e os problemas com ossos
e articulações o foram imobilizando e aprisionando em seu corpo, mas o papa
continuava a sua missão sem esconder as suas dores: não para se exibir, mas
para reivindicar o valor e o papel de cada pessoa na sociedade, mesmo se doente
ou deficiente. As últimas semanas da vida terrena de João Paulo II foram os
seus dias de calvário: o papa que tinha nos ensinado a viver nos ensinava
também como enfrentar a morte.
Ao lado de João Paulo II até o instante final
esteve sempre o médico pessoal, doutor Renato Buzzonetti. No livro-entrevista
“Accanto a Giovanni Paolo II” [Ao lado de João Paulo II, publicado na Itália
pela Editora ARES], ele conta os trechos seguintes:
* * *
Foram dias que marcaram profundamente a minha vida,
dominados por um gravíssimo compromisso profissional, pela participação
dolorosa no drama humano e religioso que estava acontecendo diante dos meus
olhos, por uma tensão extrema diante da grande responsabilidade que pesava
sobre os meus ombros e, finalmente, por uma oração ininterrupta, em comunhão
com o papa que sofria na sua cruz mística.
Na quinta-feira, 31 de março de 2005, por volta das
11 horas da manhã, enquanto celebrava a missa na capela privada, o Santo Padre
sentiu um tremor intenso, seguido por uma séria elevação da temperatura e por
um gravíssimo choque séptico. Graças à habilidade dos reanimadores, a situação
crítica foi controlada e dominada mais uma vez.
Perto das 17 horas, foi rezada a santa missa ao pé
da cama do papa, que aos poucos emergia do choque. Quem celebrou foi o cardeal
Jaworski, com mons. Stanislaw, mons. Mietek e dom Rylko. O Santo Padre estava
com os olhos semiabertos. O cardeal de Lviv lhe deu a unção dos enfermos. Na
consagração, o papa levantou fracamente o braço direito, duas vezes, em direção
ao pão e ao vinho. Tentou bater no peito com a mão direita no momento do Agnus
Dei. Depois da missa, a convite de mons. Stanislaw, os presentes beijaram a mão
do Santo Padre. Ele chamou as freiras pelo nome e acrescentou: “Pela última
vez”. Seu médico, antes de lhe beijar a mão, disse em voz alta: “Santo Padre,
nós o amamos e estamos aqui juntos com todo o coração”. Depois, sendo
quinta-feira, o Santo Padre quis comemorar a hora de adoração eucarística:
leitura, recitação dos salmos, cantos entoados pela irmã Tobiana.
Na sexta-feira, 1º de abril de 2005, depois da
missa concelebrada por ele, o Santo Padre pediu, às 8 horas, para fazer a
via-crúcis, fazendo o sinal da cruz em cada uma das 14 estações. Participou da
recitação da terceira hora do ofício divino e, às 8h30, pediu para ouvir a
leitura de passagens da Sagrada Escritura, lidas pelo padre Tadeusz Styczen. Os
cuidados médicos continuaram sem pausas.
No sábado, 2 de abril de 2005, foi celebrada a santa missa ao pé da cama do Santo Padre. Ele participou com atenção. No final, com palavras arrastadas e quase ininteligíveis, João Paulo II pediu a leitura do evangelho de São João, que o Pe. Styczen fez devotadamente, lendo nove capítulos. Homem contemplativo, com a ajuda dos presentes, o papa recitou as orações do dia até o ofício das leituras do domingo iminente.
Por volta das 15h30, o Santo Padre sussurrou para a
Irmã Tobiana: "Deixem-me ir para o Senhor...", em polonês. Mons.
Stanislaw me referiu essas palavras apenas alguns minutos mais tarde. Aquele
era o seu "consummatum est" (Jo 19, 30).
Não era uma rendição passiva à doença, nem uma fuga
do sofrimento, mas a mostra da consciência profunda de uma via-crúcis bravamente
aceita até a espoliação de toda coisa terrena e da própria vida, e que agora se
aproximava do objetivo final: o encontro com o Senhor. Ele não queria atrasar
esse encontro, esperado desde os anos da juventude. Foi para isso que ele tinha
vivido. Aquelas palavras eram de expectativa e de esperança, de renovada e
definitiva entrega nas mãos do Pai.
Naquelas mesmas horas, eu e meus colegas médicos
constatamos que a doença se voltava inexoravelmente para o fim do seu curso. A
nossa batalha tinha sido travada com paciência, humildade e prudência; e fora
extremamente difícil, porque, intimamente, nós sabíamos que ela terminaria em
derrota. A racionalidade técnica, a consciência e a sabedoria dos médicos, o
carinho iluminado dos familiares foram guiados constantemente pelo respeito
misericordioso e total do homem que sofria. Não houve tratamento agressivo.
Depois das 16 horas, o Santo Padre foi adormecendo
e perdendo gradualmente a consciência. Por volta das 19 horas, ele entrou em
coma profundo e em agonia. O monitor registrava o esgotamento progressivo dos
parâmetros vitais.
Às 20 horas, começou a missa celebrada aos pés da
cama do pontífice que falecia. Foi celebrada por mons. Dziwisz com o cardeal
Jaworski, mons. Mietek e dom Rylko. Cantos poloneses se entrelaçavam com os
cantares que subiam da Praça de São Pedro, lotada. Uma pequena vela brilhava
sobre o criado-mudo, ao lado da cama.
Às 21h37, o Santo Padre morreu. Depois de poucos
minutos de atônita dor, foi entoado o Te Deum em língua polonesa e, da praça,
de repente, viu-se iluminada a janela do quarto do papa.
* * *
Nesta sexta-feira, 4 de abril de 2014, a
Universidade Europeia de Roma organizará, às 19 horas, o encontro “João XXIII,
João Paulo II: dois papas, dois santos”, com testemunhos inéditos sobre a
santidade dos dois pontífices prestes a ser canonizados. A entrada será livre.
"Porém, eu não morro totalmente, o que em mim é imperecedouro, permanece". Papa João Paulo II (Karol Józef Wojtyla, 1920 - 2005)
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